Estratificação de Gênero
Sexo e Gênero
Em todas as sociedades, os indivíduos categorizam-se
uns ao outros como masculino ou feminino e, com base nessa distinção, as
crenças culturais e normas indicam quais status os homens e as mulheres
deveriam ocupar e como elxs deveriam desempenhar os papéis associados com esses
status. Tem havido no curso da evolução humana enorme variação no que é
definido como adequado aos homens e às mulheres, um fato que indica que
distinções entre os sexos são mais socioculturais do que biológicas. Esse
processo de definir culturalmente status e papéis adequados para cada sexo é
denominado de diferenciação de gênero; e esse conceito deveria ser distinto da
diferenciação sexual, que denota as diferenças biológicas entre homens e mulheres.
As duas noções, de sexo e gênero, entretanto, não são
tão facilmente separadas porque muito do que a população costuma ver como
tendências "naturais", biológicas, dos sexos é culturalmente definido
e reforçado através de sanções. As únicas diferenças biológicas claras entre os
homens e as mulheres são diferenças geneticamente causadas nas secreções
hormonais e seus efeitos no desenvolvimento dos órgãos sexuais e outras
características anatômicas (estrutura óssea, percentual de camada de gordura e
musculatura). Pode haver outras diferenças fundamentadas geneticamente, mas não
há evidências claras para essas. Além disso, até mesmo as diferenças mais
inequívocas tornam-se tão elaboradas e impregnadas por crenças culturais e
normas, e por papéis sociais e práticas dentro de estruturas sociais, que
tornam obscura a fronteira entre o sexo e o gênero.
A base da noção de sexo socialmente construída é
bastante ilustrada por casos nos quais a identidade sexual biológica é ambígua.
Por exemplo, em um estudo, crianças que nasceram com os órgãos de ambos os
sexos (antigamente chamadas de hermafroditas, atualmente chamadas de
intersexuais) empregaram as características sexuais - atitudes, comportamento e
preferências sexuais - que refletiram sua socialização pelos pais, tanto
masculinos quanto femininos (Ellis, 1945; Money ê Ehrhardt, 1972). Em outro
caso elucidativo, uma garota jovem que tinha os órgãos sexuais externos de uma
mulher e que fora criada como mulher, sofreu uma mudança de voz na puberdade;
um exame médico mais detalhado revelou que "ela era "XY", ou
seja, um homem. Informada disso, ela "foi para casa, jogou fora suas
roupas de moça e tornou-se um garoto, começando imediatamente a se comportar
como os outros garotos" (Reynolds, 1976).
Ou seja, o gênero é mais determinante do que o sexo
quando pensamos em assumir papéis. Um indivíduo pode ter nascido do sexo
feminino e optar, posteriormente, pelo gênero feminino se tornando, portanto,
uma mulher. Outro ponto importante é distinguir gênero de orientação sexual.
Embora existam várias orientações sexuais, as mais conhecidas são:
homossexuais, heterossexuais e bissexuais. A orientação sexual (e não opção
sexual) não é determinada pelo sexo nem pelo gênero. O que determina o seu sexo
são suas características biológicas; seu gênero é determinado pelas suas
características culturais e sociais; sua orientação sexual se define para qual
gênero você tem sua afetividade direcionada.
De um ponto de vista sociológico, então, é melhor nos
concentrarmos nos processos de gênero, ou aquelas causas culturais e sociais
que afetam os status e os papéis desempenhados por todos na sociedade. Vamos
nos concentrar na estratificação de gênero porque esse é o tópico que
diretamente afeta tudo em nossas vidas.
A Dinâmica da Estratificação de Gênero
Quando as posições ocupadas por homens e mulheres
implicam diferentes quantidades de renda, poder, prestígio e outros recursos de
valor, um sistema de estratificação de gênero pode ser considerado existente.
Desde que os homens abandonaram a caça e a colheita entre 12 mil a 18 mil anos
atrás, a estratificação de gênero existe em todas as sociedades conhecidas. E
esse sistema tem favorecido homens, que têm a maior probabilidade em ocupar
posições e desempenhar papéis que trazem mais poder, riqueza material e
prestígio. Como devemos explicar essa situação?
Teorias
funcionalistas buscariam responder
essa questão enfatizando que uma divisão de trabalho com base no sexo era mais
plausível do que qualquer alternativa para preencher necessidades de
sobrevivência de populações humanas primitivas. É mais eficiente, e daí mais
adequado, para uma sociedade simples ter mulheres para desempenhar as
atividades em torno da educação da criança e afazeres domésticos, enquanto os
homens saem para caçar por "esporte" e, mais tarde, lutar em
conflitos, pois as mulheres devem parir e amamentar as crianças, e suas
atividades domésticas pareceriam fluir "naturalmente" partindo desse
"fato" biológico da vida humana.
Em contraste, os homens não podem amamentar uma criança
e são, na média, cerca de 15% a 20% maiores do que as mulheres e, assim, é mais
"natural" para eles deixarem os acampamentos para caçar e desempenhar
outras tarefas que não podem ser feitas por mulheres que amamentam. Uma vez que
essa divisão de trabalho existia, tornou-se cada vez mais elaborada e
expandida, trazendo desigualdade entre os sexos.
Esse argumento é seriamente falho. Primeiro, as
mulheres em muitas sociedades tradicionais fazem a maioria do trabalho pesado e
criam os filhos. Ora, uma vez que o modo de vida nômade de caça e coleta foi
abandonado e as pessoas se fixaram, por que os homens não poderiam fazer o
mesmo e usar seus talentos para criarem filhos e desempenharem tarefas
domésticas? Segundo, se os papéis das mulheres são tão funcionalmente
importantes, por que elas continuam possuindo menos prestígio, poder e riqueza
agora que a era de caça e coleta é passado? Assim, precisamos observar melhor
para um entendimento mais completo de como persistiu a estratificação de
gênero.
Uma análise possível está na teoria de conflito em que a ênfase é dada ao poder. Porque os
homens são um tanto maiores e mais fortes do que as mulheres, pelo menos na
média, eles têm usado essa capacidade como coerção para criar e sustentar um
sistema de estratificação com base no gênero. Assim, ao longo da história, os
homens e as mulheres têm competido por recursos escassos, com os homens no
final das contas mantendo uma decisiva vantagem através da coerção. A coerção
básica envolvida, é claro, tornou-se mascarada por crenças culturais e normas
que fazem parecer "natural" que os homens devam dominar o acesso a
recursos de valor.
Apenas na história bem recente essa máscara cultural
foi tirada, levando a um movimento social crescente em grande parte do mundo
industrial para remodelar a desigualdade entre os homens e as mulheres. Mas
ainda há forças poderosas que funcionam
para sustentar a estratificação de gênero.
Em um nível cultural
as crenças trabalharam contra as mulheres, enfatizando seu caráter doméstico e
nutricional (Turner, 1977). Tais crenças foram traduzidas em expectativas
normativas sobre as próprias posições (doméstica) e comportamentos de papéis
(passivo, nutricional) para as mulheres. Tais símbolos culturais persistem
porque xs jovens são socializados por suas famílias, escolas, companheirxs e a
mídia para aceitá-lxs.
Quando nasce um bebê, seu sexo é a primeira coisa que
os pais desejam saber porque define como eles reagirão à criança e o que eles
esperarão dela. As meninas, por exemplo, serão encaminhadas em uma conduta
"suave", os meninos em uma "dura" com comportamento mais
agressivo; as meninas serão estimuladas a brincar adotando papéis
"femininos" (mãe, enfermeira e dona de casa), ao passo que os meninos
serão estimulados a adotar papéis "masculinos". Com essa canalização
de papéis nas brincadeiras, são comunicadas as definições do que significa ser
masculino e feminino.
Essas mensagens sutis sobre a
masculinidade e feminilidade são reforçadas por interações e experiências
iguais nas escolas. Em geral, os meninos são estimulados a praticar esportes
competitivos, que envolvam agressividade e contato físico ao passo que, apesar
de algumas mudanças, as meninas são estimuladas a praticar esportes menos
competitivos e menos físicos ou, ainda mais significativamente, papéis de
observador/torcedor, em que elas são meros suplementos às atividades
masculinas. Interações com iguais reforçam essas diferenças na escola e
socialização familiar, como faz a mídia (livros e televisão). O resultado
final, como enfatizariam as teorias interacionistas é que os meninos e as
meninas (e mais tarde os homens e as mulheres) vêm a definir-se em termos
masculino e feminino e buscar status nas estruturas sociais que reforcem essas
definições.
Assim, apesar da considerável publicidade feita para
mudar os "papéis sexuais", os homens ainda controlam os status de
alta renda, de alto poder e de alto prestígio; e eles ainda são capazes de ser
evasivos a muito trabalho doméstico, mesmo quando suas esposas trabalham fora.
Como isso é possível? A resposta reside na socialização dos homens e das
mulheres dentro de crenças sobre feminilidade e masculinidade, e em práticas
discriminatórias nos mercados de trabalho. Estas são causas sutis, mas seus
efeitos são profundos.
Há, entretanto, sinais de mudança. As mulheres agora
estão assegurando, em números dramaticamente crescentes, grau de escolaridade
em campos tradicionalmente dominados por homens - administração de empresas,
ciência da computação, odontologia, engenharia, direito e medicina. Além disso,
leis anti-discriminação têm reduzido a discriminação contra as mulheres em
empregos operários dominados pelos homens, embora os homens ainda tenham essas
posições de forma esmagadora. Há também sinais de crescimento da participação
das mulheres na política. Temos, pela primeira vez na história do Brasil, uma
presidenta! Os efeitos a longo prazo dessas mudanças, sem dúvida, alterarão as
crenças culturais sobre os papéis adequados tanto para as mulheres quanto para
os homens, ao mesmo tempo mudando as divisões do trabalho doméstico. Mas estas
serão mudanças relativamente lentas porque os velhos sistemas de símbolos
culturais, práticas de socialização, práticas de emprego informais e atividade
política são difíceis de alterar.
A estratificação de gênero é sustentada por ciclos que
se reforçam mutuamente. As mulheres são identificáveis; apresentam ameaças à
dominação masculina de papéis sociais-chave; são sujeitas a crenças
preconceituosas sobre sua formação "biológica"; estão expostas a uma
longa lista de práticas discriminatórias. E crenças e comportamentos são
sustentados pela socialização diferenciada. Como tais ciclos devem ser quebrados? O impulso mais importante tem
sido a participação crescente das mulheres na força de trabalho, em que elas garantem,
uma vez que" ganham o seu pão", recurso que lhes dá poder para
redefinir a identidade de gênero e mudar um pouco a divisão do trabalho
doméstico. Por sua vez, a raiva crescente das mulheres, conjugada com o grande
tamanho de sua população, levou-as a mobilizações para mudar as crenças
preconceituosas (sobre a natureza das mulheres e suas qualidades) e iniciar
ação política para reduzir a discriminação.
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