Caetano
Veloso diz que Rio comete 'violência simbólica' ao proibir máscaras
Músico
fala ao Mídia Ninja e propõe que população desobedeça à proposta em tramitação
na Assembleia Legislativa fluminense com apoio de Sérgio Cabral
por Redação da RBA publicado 06/09/2013
15:44
CC / MÍDIA
NINJA
Caetano Veloso, em foto para o Mídia Ninja, propõe
uso de máscaras no feriado da Independência, em protesto ao governo do Rio
São
Paulo – Em vídeo gravado durante sua passagem pela sede do Midia Ninja no Rio
de Janeiro, o compositor e cantor Caetano Veloso disse que a cidade pratica uma
"violência simbólica" ao proibir o uso de máscaras pelos habitantes e
propôs que a população saia às ruas neste 7 de Setembro usando-as como forma de
contestar a arbitrariedade. "Pode ser muito bonito", disse o artista.
Caetano
Veloso participou de um debate com os integrantes do Midia Ninja carioca sobre
manifestações populares, redes sociais. os black blocs e ocupações das ruas
pelos movimentos sociais. "Sou um baiano velho, mas moro no Rio há muitos
anos. E acho que a cidade aceitar a proibição de máscaras é uma violência
simbólica", disse, em depoimento gravado num vídeo e postado pelo coletivo
no Facebook.
A
proibição está em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e tem
o apoio de Sérgio Cabral (PMDB), governador que vem sendo o principal alvo dos
protestos realizados na capital desde junho.
O
vídeo emitido pela Ninja contém ainda opiniões de jovens participantes de
manifestações de rua no Rio, que receberam com indignação a proibição, pelo
governo do estado, de usar máscaras durante os protestos – forma de atuação
policial proposta pelo poder público fluminense prevendo ocorrências nos atos
públicos previstos para amanhã, feriado de 7 de Setembro.
"É
uma medida ditatorial e anticonstitucional que mostra o desespero desse
governante, Sérgio Cabral", disse um dos entrevistados, que teve a
identidade mantida sob sigilo. "A Secretaria de Segurança Pública não está
preparada para lidar com as manifestações populares. Eu uso máscara porque a
gente leva muito gás de pimenta na cara, a gente é fotografado o tempo inteiro
por policiais infiltrados. A máscara é uma necessidade", completou.
Caetano também teve
uma imagem publicada na página do Mídia Ninja, em que aparece usando máscara,
numa imagem que remete ao Black Bloc. "É uma violência simbólica
proibir o uso de mascaras. Dia 7 de setembro todos deveriam ir as ruas
mascarados!", diz a legenda original da imagem.
Na sociedade em que vivemos, da maneira com que
vivemos, os homens são autorizados a pensar e sentir que o corpo das mulheres
não vale nada, que as mulheres são menos sujeito do que eles são
Dentre todos os temas de discussão levantados pelas
feministas, a violência contra as mulheres, em especial a violência doméstica,
continua sendo o tema de maior impacto na sociedade. Seja para vender o seu
produto através da “sedução” que a violência é capaz de realizar, seja para
realmente provocar a população para perceber a gravidade da questão, a mídia
tem colocado a violência contra as mulheres como pauta com bastante frequência,
gerando quase um uníssono que diz: “nós não queremos a violência contra
as mulheres”.
Às vezes, parece inclusive ser um assunto pautado
até demais, podendo fazer algumas pessoas pensarem: “poxa, mas vocês
vão falar disso mais uma vez?”. Mas, é interessante perceber que, por mais
que se fale no assunto de maneira reiterada, já há décadas, ainda vemos todos
os dias a violência sendo praticada contra as mulheres. É incrível, você pode
perguntar a cada pessoa que conhece, quase todas dirão que conhecem alguma
mulher que viveu ou vive em situação de violência.
Quadro O Rapto das Sabinas, de Pietro da Cortona
O fato de a violência contra as mulheres persistir,
apesar de tantos esforços para freá-la, mostra o quanto está inserida –
profundamente – em todas as relações sociais. Na maioria das vezes, pensamos
nas mulheres que são agredidas fisicamente por seus parceiros e que denunciam
isso ou, simplesmente, não conseguem esconder as agressões. Ou seja, na maior
parte das vezes em que o assunto da violência contra a mulher vem à tona, a
violência doméstica é aquela que recebe maior atenção.
Bem, talvez os dados do Mapa da
Violência de 2012 aliados à vivência diária
ajudem a compreender melhor o fenômeno. Em 2011, 71,8% das mulheres que
sofreram violência física foram agredidas em suas residências, enquanto 43,4%
(a maior porcentagem entre todas as categorias) foram agredidas por seus
parceiros ou ex-parceiros. Também os casos de todos os dias, como o da mulher que teve os braços e perna cortados com facão pelo companheiro neste mês ou da que foi morta a marteladas no mês
passado deixam a imagem da violência doméstica muito mais evidente para nós.
Entretanto, mais alguns dados do Mapa da Violência
revelam ainda um pouco mais o assunto: numa análise quantitativa das mulheres –
e meninas – que foram atendidas em 2011, como vítimas de violência física,
podemos ver que a partir dos 10 anos os pais (não “pais e mães”; apenas “pais”)
são os principais responsáveis pelas agressões. A partir dos 15 anos, pai e mãe
deixam de ser os principais perpetradores, “passando a vez” para os namorados,
companheiros e maridos das adolescentes e mulheres. A partir dos 60 anos, são
os filhos os que assumem lugar de destaque nesse tipo de violência.
Surpresa? É como se ainda estivéssemos em séculos
atrás, quando as mulheres pertenciam aos pais – aos homens –, passando depois a
pertencer a seus maridos. É como se as mulheres fossem uma coisa formada de
carne e de sentimentos de pouco valor. Carne e sentimentos que pudessem ser
consumidos, usados ao bel-prazer dos homens, sem consequências. Uma carne que
pode ser rasgada, cortada, usada para o prazer dos homens. Sentimentos que não
precisam ser levados em conta porque, afinal, “são mulheres”. São “só mulheres.”
Essa outra face da violência, a violência
simbólica, que não recebe a mesma atenção da mídia ou das conversas do
dia-a-dia é, na verdade, a forma de violência que permite chegar à violência
física contra as mulheres. Porque, na sociedade em que vivemos, da maneira com
que vivemos, os homens são autorizados a pensar e sentir que o corpo das
mulheres não vale nada, que as mulheres são menos sujeito do que eles são.
Basta se atentar para a vida cotidiana. Das cantadas que nos fragmentam em
peitos e bundas, em objetos de consumo do outro; às cobranças por sexo (mesmo
que sem vontade); passando por atitudes que nos colocam como AS responsáveis
pelos cuidados das pessoas, dos filhos e filhas, do trabalho doméstico.
O lugar de subalternidade tão conferido às mulheres
carrega, na maioria das vezes, uma violência que incide sobre nós: calada,
invisível, sorrateira. E, devido ao sexismo de cada dia, bem como ao domínio
sobre as mulheres, se sentimos essa violência é porque somos “mulheres”. E se
denunciamos essa violência, somos “mulherzinhas”. Se não denunciamos essa
violência, somos “mulherzinhas” também.
No final das contas, seremos sempre “mulherzinhas”.
Porque seremos sempre menos enquanto a sociedade inteira entender que existem
apenas dois sexos (ou dois gêneros) e, que essa dualidade precisa
necessariamente ser polarizada entre mais e menos, de maior ou de menor valor.
A violência física dói muito, assusta e aterroriza. Mas, enquanto a violência
simbólica não for considerada VIOLÊNCIA, a violência física continuará
encontrando espaço para se fazer presente das piores maneiras possíveis, todos
os dias.
Hoje, 25 de novembro, Dia
Latino-Americano e Caribenho de Luta Contra a Violência à Mulhere Dia Internacional da Eliminação da Violência
contra a Mulher, precisamos dar atenção ao fato de que as mulheres sofrem
violência todos os dias. Todos os dias. Por homens, por mulheres, pela mídia,
pelo Estado, pela Igreja… Mas enquanto essas formas de violência simbólica não
tiverem importância, dificilmente poderemos erradicar a violência física que
também nos assombra diariamente.
—–
Edição do dia 11/08/2015
11/08/2015
13h19 - Atualizado em 11/08/2015
14h10
Aumenta número de denúncias de violência contra a mulher
no Brasil
Ligue 180 recebeu mais de 360 mil denúncias no primeiro
semestre.
Mulheres ligam para reclamar da violência e também para pedir ajuda
As mulheres vítimas de violência doméstica estão vencendo o medo e
denunciando os agressores. É o que mostra uma pesquisa feita pela Secretaria de
Políticas para as Mulheres, da Presidência da República. No primeiro semestre,
o ligue 180 recebeu, em média, 84 ligações por hora de mulheres que reclamam de
algum tipo de violência ou pedem ajuda.
saiba mais
A aposentada Rosângela Sá tentava se separar do homem com quem era
casada há 21 anos. Em abril de 2009, ele botou fogo no corpo dela.
“Só vi a explosão, engoli aquela bola de fogo, aquele desespero. É tudo
tão rápido. Você não entende na hora o que está acontecendo”, conta.
Rosangela teve queimaduras em 65% do corpo. E, ainda na terapia
intensiva do hospital, prestou depoimento contra o ex-marido, que tinha fugido.
"Ele foi preso em Minas, foi trazido pro Rio, foi julgado em 2011,
condenado a 26 anos de prisão, e hoje ele está em Bangu 2", conta
Rosângela.
A Central de Atendimento à Mulher - o ligue 180 - recebeu, nos
seis primeiros meses deste ano, mais de 360 mil ligações (364.627). Uma média
de 60 mil (60.771) telefonemas por mês.
Em todo o ano passado, foram mais de 480 mil (485.105) atendimentos.
Este ano, 32 mil registros foram de violência contra a mulher. A metade desses
relatos foi sobre violência física. Em seguida aparecem denúncias de violência
psicológica, moral, cárcere privado e violência sexual.
Marisa Chaves de Souza é fundadora de uma ONG que apoia mulheres e
crianças vítimas de violência. “A lei Maria da Penha, que acabou de completar
nove anos, é uma lei bem avançada, mas que é necessário que ela ultrapasse a
questão das medidas protetivas de urgência para que as sentenças condenatórias
sejam mais divulgadas para serem exemplos pedagógicos para a sociedade, para
que qualquer homem saiba, que bater numa mulher tem uma sanção, tem um custo”,
fala Marisa Chaves.
Rosangela já passou por três cirurgias e faz tratamento para amenizar as
cicatrizes. Seis anos depois, ela superou a dor física e a psicológica também.
“Eu tenho muita vontade de viver. Se eu fosse guardar mágoa dele [agressor], eu
não teria sobrevivido”.
Agredida por pai de alunos em
2010, diretora sofre com convulsões
Cartola
- Agência de Conteúdo
Especial para Terra
Há três
anos a professora Maria Ladjane de Araújo, 53 anos, toma diariamente uma
medicação para minimizar as convulsões que sofre em decorrência da violência
vivida em outubro de 2010. A gestora da Escola Modelo Infantil Santa Joana, em
Caruaru (PE), atravessava a rua quando um homem avançou em sua direção e lhe
empurrou. Ela caiu de cabeça no meio-fio, sofreu traumatismo craniano e teve um
edema frontal. O agressor é pai de dois alunos que estudavam na instituição.
Na época,
a imprensa local noticiou que o homem estaria contrariado por ter sido chamado
na escola para conversar sobre o comportamento da filha. Irritado, ele teria
discutido com Maria, o que não é confirmado pela professora. "Não houve
conversa, ele simplesmente chegou e me agrediu", relata.
Maria foi
levada a um hospital no Recife e passou oito dias internada. Perdeu olfato,
paladar e teve a audição prejudicada - hoje escuta apenas com o ouvido
esquerdo. Com a fala arrastada, a docente conta que, desde o episódio, evita
sair na rua e, quando sai, só anda acompanhada. "Meu dia acaba mais cedo.
Depois das 20h, quando tomo meu remédio, fico dopada e não consigo fazer mais
nada", acrescenta.
Na
instituição, a educadora segue no mesmo cargo de três anos atrás, mas confessa
que já não consegue cumprir suas funções como antes. "Eu sigo assinando
papéis, tomando algumas decisões, mas já não tomo a frente das atividades,
conto muito com minha equipe", lamenta. Após a agressão, levou dois meses
para voltar ao trabalho.
O
agressor aguarda sentença na justiça e cumpre uma medida que o impede de chegar
a menos de 500 metros da professora. Em depoimento dado na época, o homem
afirmou que tudo não passou de um acidente e que não tinha intenção de machucar
a professora. Maria já o conhecia havia oito anos, e afirma que não esperava
vê-lo daquela forma. "Ele estava visivelmente descontrolado. Tenho 30 anos
de escola e também moro aqui há 30 anos, nunca tinha vivido uma situação como
essa. Caruaru inteira ficou revoltada", complementa, lembrando que foi
difícil para o pai matricular as crianças em outro colégio, tal era a
indignação da população. "Ele destruiu minha vida, mas destruiu a dele
também. Ele sabe que a família dele sofreu com essa situação", diz
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Violência psicológica atinge jovens em ambiente profissional
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Data: 03/04/2012 / Fonte: Agência USP de Notícias
São Paulo/SP- Em uma pesquisa realizada
entre 2009 e 2010 na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, a psicóloga
Samantha Lemos Turte avaliou experiências de assédio moral relatadas por
adolescentes trabalhadores e concluiu que eles não só estão expostos a
situações constrangedoras, como também não sabem lidar com elas. O estudo foi
orientado pela professora Frida Marina Fischer, do Departamento de Saúde
Ambiental da FSP.
O incentivo ao início da vida profissional já na adolescência é uma prática
propagada, inclusive, com implementação de leis, como a Lei nº 10.097, de 19
de dezembro de 2000, que estabelece, entre outras coisas, que empresas tenham
em seu corpo de funcionários um mínimo de 5% de menores aprendizes. Para Samantha,
o interesse em promover a saúde no trabalho é primordial, uma vez que neste
local adultos e jovens dispensam considerável parte do seu dia. Diante disso,
a pesquisadora levantou a necessidade de avaliar se trabalhadores jovens
saberiam reconhecer violência psicológica no seu cotidiano corporativo.
Dentre 40 adolescentes entrevistados para a pesquisa, a maioria com idade
inferior a 18 anos, foram reconhecidas situações que podem ser compreendidas
como violência psicológica.
Ainda que alguns tivessem sido respeitados, outros reclamaram de humilhações
e imposições sofridas. Entre alguns abusos detectados, estavam desde
constrangimentos provocados por outros funcionários da empresa até a
realização de funções para as quais não foram contratados.
Para Samantha, o mais preocupante é a banalização das condições ruins de
trabalho às quais tanto adultos quanto crianças estão submetidos. É comum
ouvir que trabalhar é ruim, as coisas não são fáceis, etc e, com isso,
perde-se a noção de que a promoção da saúde mental deve ser estendida ao
ambiente profissional. "Naturalizamos problemas do trabalho e irradiamos
na nossa vida pessoal", diz a pesquisadora.
A pesquisadora também contou que os adolescentes não sabiam reconhecer, sem
uma explicação prévia, se haviam sido vítimas de violência psicológica.
Quando eram informados da definição do termo, faziam um paralelo desta com o
bullying, prática de agressão comum entre crianças na idade escolar.
Segundo o estudo, os jovens que sabiam o que era assédio moral e o
reconheciam, tinham mais segurança em defender-se da prática e reclamar por
seus direitos. Para a psicóloga, discutir na escola questões relativas aos
limites das relações interpessoais no trabalho, à saúde e às formas de
violência evitaria que os jovens sofressem estes abusos, e lhes daria
argumentos para se proteger. Com esses conceitos bem definidos, "nos
tornaríamos protagonistas na promoção da saúde", diz Samantha.
Entrevistas
Inicialmente, a psicóloga procurou uma Organização Não Governamental (ONG)
especializada em preparar e encaminhar jovens residentes da Zona Sul de São
Paulo entre 15 e 20 anos para o mercado, inclusive com promoção de cursos.
Esses cursos abrangem conceitos técnicos de áreas administrativas, inglês,
linguagem, matemática, informática e noções de direitos como cidadão e
deveres com a sociedade.
Há três tipos de jovens vinculados à associação: aqueles que não estão no
mercado de trabalho e, portanto, frequentam diariamente as aulas
preparatórias; aqueles que trabalham como jovens aprendizes, possuem vínculo
empregatício com a empresa correspondente, ou seja, têm carteira de trabalho
assinada, e frequentam uma vez por semana as aulas da ONG; e aqueles que
estão contratados como estagiários nas empresas, com contratos sem vínculo
empregatício, e frequentam as aulas uma vez por mês.
Assim que participam das atividades reservadas ao primeiro grupo, os jovens
são encaminhados para empresas parceiras da ONG, cadastradas para implementar
essa mão de obra.
Os jovens selecionados para a pesquisa eram provenientes do segundo e
terceiro grupo e que já estavam empregados no mínimo seis meses. Foram
realizadas entrevistas, tanto individuais quanto em grupo, além de um
questionário, para detectar se estes jovens sofriam assédio moral ou outro
tipo de violência psicológica no trabalho, e, mais importante, se sabiam
reconhecer tal ato.
A intenção era determinar se os jovens que frequentavam as aulas na ONG uma
vez por semana saberiam reconhecer e lidar com assédio moral de forma mais
efetiva do que os que frequentavam a ONG apenas uma vez por mês. Por haver
menores de idade no grupo estudado, termos de consentimento foram assinados
pelos pais dos participantes.
Foto: www.primeirahora.com.br
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Especialistas esclarecem o que está por
trás das violências invisíveis – psicológica, moral e patrimonial -, que atinge
três em cada cinco mulheres brasileiras
“Louca.”
“Puta.” “Fiz por amor.” “Incapaz.” “Ninguém vai acreditar.” Falas como estas
fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiras. Segundo relatório da ONU,
três em cada cinco mulheres sofreram, sofrem ou sofrerão violência em um
relacionamento afetivo no Brasil – e nem todas as feridas aparecem. São as
cicatrizes das violências invisíveis – psicológica, moral e patrimonial –,
também conhecidas como relacionamento abusivo, que cala e aprisiona.
Uma
campanha lançada, nesta terça (27), pela ONG Artemis, em parceria com a marca Lush,
pretende jogar luz sobre uma realidade tão comum, mas ainda bastante
desacreditada pela sociedade e pelo sistema judiciário. Diante disso, Raquel
Marques, presidente da Artemis, Silvia Chakian, promotora de justiça e
coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher
(GEVID), e Alice Bianchini, doutora em direito penal e membro da Comissão da
Mulher Advogada do Conselho Federal, reuniram uma série de fatos capazes de
esclarecer este tipo de agressão.
1. O relacionamento abusivo ainda é
visto como uma simples briga de casal
A Lei Maria da Penha compreende que violência doméstica é “Qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. E para configurar a violência, nos
termos da Lei, ela não precisa ser continuada, nem atual, nem duradoura,
bastando que exista uma relação afetiva entre a vítima e o agressor, mesmo que
não residam no mesmo local.
“Apesar
de todo esse esclarecimento, ainda tem sido muito difícil lidar com o machismo
institucional, dentro do sistema de justiça”, aponta Silvia Chakian. “Vejo
diariamente vítimas sendo desacreditadas em juízo e questionadas exaustivamente
nas delegacias. Como se a mulher, por ser mulher, não fosse digna de crédito.
Ela é confrontada, questionada e cobrada com uma coerência absurda e impossível
de ser conhecida. O depoimento de quem sofre esse tipo de violência é muito
marcado por incoerências, lapsos de memória, falas entrecortadas – próprios do
pós-trauma. Deparamos-nos então com a recorrente revitimização e descrédito.”
Ainda
segundo a promotora, quando uma mulher decide romper com o silêncio, a primeira
reposta que ela vai receber, seja na delegacia, no ministério público ou em um
centro de referência, pode ser determinante para que nunca mais busque ajuda e
acredite que seu destino é viver em um relacionamento violento.
2. Ciúme pode não ser saudável, mas
sinônimo de controle
Os sinais que antecipam um relacionamento abusivo às vezes podem ser sutis.
Hoje, muitas mulheres ainda tendem a acreditar que um relacionamento sem ciúme,
é uma relação sem amor. “O problema é que muitas vezes esse ciúme vem camuflado
de zelo e cuidado, e não parece controle”, alerta Silvia.
“Quando
um namorado diz para a namorada, ‘troque essa saia, porque assim você não vai
sair comigo’, o problema não é a roupa. A mensagem que fica neste
relacionamento é: quem mandar e quem obedece”, explica a promotora. “Mulheres
tendem a minimizar o comportamento violento e a não interpretar a conduta
abusiva como violência. Muitas vezes elas se responsabilizam – ‘Eu sou
difícil’, ‘Estava nervosa’, ‘Realmente provoquei’ -, como se tivessem
contribuído ou até mesmo merecido a agressão que não necessariamente é física.”
Em
alguns casos, diz, a responsabilização pela conduta violenta é relacionada a
fatores externos, como o consumo de álcool ou outras drogas. “Já ouvi vítima
dizer: ’Ele me agrediu porque estava nervoso, porque bebeu’. Não, a motivação
da violência de gênero é interna. O sujeito quando enche a cara no bar não
agride o amigo, ele espera chegar em casa para violentar a companheira.”
3. Por que é tão difícil romper com o
ciclo de violência?
“O ciclo de violência leva anos para ser rompido, em alguns casos chega a levar
até dez anos”, diz Alice Bianchini. “E ela costuma ser gradativa, até alcançar
seu ápice, que vem acompanhado de uma fase de reconciliação e promessas, que
logo são quebradas, e assim o ciclo recomeça.” E a tolerância social com
relação à violência contra a mulher é um dos impedimentos para a quebra deste
circuito perigoso.
Uma
pesquisa do Ipea de 2013 diz que 65,3% da população brasileira concorda com a
seguinte frase: “Mulher que apanha e continua com o companheiro gosta de
apanhar”. De encontro a esta estatística está uma pesquisa de 2015 realizada
pelo Senado Federal. Um levantamento feito com vítimas de violência doméstica
apontou que 24% delas se mantêm no relacionamento por preocupação com a criação
dos filhos, enquanto 21% diz temer uma vingança por parte do agressor.
Precisamos dar fim aos estereótipos de gêneros.
4. O feminicídio costuma ser o
resultado de um ciclo violento de relacionamento abusivo
Uma pesquisa da ONU constatou que o Brasil é o quinto país do mundo com maior
taxa de homicídio de mulheres – fim trágico de um longo histórico de violência.
“O feminicídio não acontece abruptamente”, conta Raquel Marques. “Ele nunca é
um episódio isolado na vida de uma mulher. A violência se desenvolve em uma
escalada dentro de um relacionamento”, acrescenta Silvia.
O
machismo e a misoginia predominantes no comportamento social, segundo elas,
contribuem diretamente para esse índice. “Vivemos em uma sociedade que mata
mulheres quando elas violam uma das duas leis do patriarcado. A primeira delas
é a da submissão e a segunda é a da fidelidade. Em pleno século 21, nós ainda
temos que lutar pelo direito do ‘não’ ser respeitado e isso está por trás dos
assassinatos”, explica Silvia.