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Ideias de alguns filosofos sobre ética texto 1

domingo, 14 de março de 2010

Ética e moral
Uma reflexão sobre a ética e os padrões de moralidade ocidental

Sumário

1. A moralidade enquanto objeto da ética
2. A moral aristocrática
3. A moral utilitarista
4. A moral kantiana


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1. A moralidade enquanto objeto da ética

Gosto não se discute. Correntemente essa frase é utilizada quando se quer estabelecer a idéia de que gosto é algo radicalmente subjetivo e imutável. Ora, a imensa variedade de sujeitos com preferências e opiniões distintas entre si e o fato de um mesmo sujeito mudar de preferências e opiniões fazem prova de que a complexa estrutura psíquica humana é capaz de aprender e de modificar o que se aprendeu. Subjetividade não combina com imutabilidade, logo a frase em questão é contraditória.

Diz-se também que personalidade vem da natureza. Quando atribuímos à natureza a existência de alguma coisa, estamos simplesmente dizendo que esta coisa não foi criada pela cultura, nasce-se com ela. Não há necessidade de aprender o que é natural. O natural é inato. Essa coisa chamada personalidade é inerente à pessoa. Pessoa e personalidade vêm da mesma palavra: persona. Ninguém nasce pessoa. Ninguém refere-se a um bebê como "aquela pessoa" pois sabe-se que personalidade tem a ver com um sistema mais ou menos definido de gostos, preferências que se vai adquirindo com o tempo.

Embora as preferências e as condições que formam a personalidade sejam tão subjetivas e mutáveis, há uma constante que não podemos desprezar. É o princípio do prazer. Todo ser dotado de sensibilidade tem a propensão natural de afastar o que lhe está associado à dor e buscar o que lhe é prazeroso. O gato morde o homem que lhe pisa a cauda e o vegetal cresce em direção ao sol. Para o gato é bom que não lhe pisem na calda. Para a planta, é bom crescer em direção ao sol. O ser humano não foge a essa regra. O bebê humano é capaz de manifestar sua percepção de prazer e dor e essa capacidade não se perde com a idade. O que muda é a forma como se dá essa manifestação e o objeto do prazer ou o da dor que, por sua vez, dependem das circunstâncias. O que permanece imutável é o fato dos sujeitos estarem sempre buscando o que lhes parece bom, e afastando o que lhes parece mal. É sobre esses dois conceitos que trata a ética.

A ética é uma ciência comprometida com a busca aprofundada das relações entre o homem e os conceitos de bem e de mal. Trata-se de uma ciência da qual não podemos nos esquivar pois o bem e o mal, o certo e o errado, impregnam nossa conduta prática. Embora a grande maioria não pense no assunto, o comportamento humano é uma contínua resposta às questões éticas. É nesse ponto que nasce a distinção entre ética e moral.

O dicionarista e pensador Nicola Abbagnano (1901-1990) afirma que moral é "atinente à conduta" (1982: 652) enquanto a ética é "a ciência com vistas a dirigir e disciplinar a mesma conduta" (1982: 360). A moral seriam as regras práticas e a ética, o fundamento teórico da moral. Dizem-se moral aristotélica, moral kantiana para enfatizar os respectivos aspectos práticos; ética aristotélica, ética kantiana estariam mais relacionados aos seus aspectos teóricos. Alguns autores, entretanto, ressaltam que, embora haja uma infinidade de morais: moral cristã, moral judaica, moral platônica, moral kantiana etc, a ética seria uma só. É que, sendo esta uma ciência, trabalha apenas com conceitos universais.

Basicamente, são três os modelos de moralidade: aristocrático, utilitarista e kantiano.

2. A moral aristocrática

A moral aristocrática visa fazer com que o indivíduo se aproxime, cada vez mais, de um homem ideal e transcendente. Nesse sentido, são morais aristocráticas a moral judaica, baseada no modelo de homem de fé (Abraão), a moral cristã, no amor ao próximo (Jesus), a moral platônica, no ascetismo (filósofo-rei), a moral budista, na eliminação dos desejos (Buda). Mas, na maioria das vezes, esses modelos ideais são apenas descrições sem referências a nomes de personagens históricos. A moral aristocrática propõe que cada indivíduo seja dotado das virtudes adequadas (a palavra virtude vem de virtu, que significa força) para imitar o modelo ou um ideal de vida proposto. A felicidade plena é obtida quando o indivíduo realiza o ideal proposto. Quanto mais virtuoso for o indivíduo, maior o seu grau de felicidade.

Sócrates (470-399 a.C.) inventou o ideal cínico (palavra derivada de canino), cuja principal virtude é o desprezo às comodidades, às riquezas e às convenções sociais, enfim a tudo aquilo que afasta o homem da simplicidade natural de que dão exemplo os animais (no caso o cão). Cínico é aquele que vive o descaramento da vida canina. Relata-se que Sócrates caminhava nos mercados apenas para saber do que ele não precisava. Outros curiosos relatos envolvendo Diógenes, tais como o da "visita do imperador", "a mão e a cuia", "a lanterna" etc indicam que este teria sido o maior cínico da história.

Platão (428-348 a.C.) propôs o ideal asceta. A prática da ascese consiste em viver na contemplação do mundo das idéias ao tempo que se afasta de tudo o que é corpóreo. "É evidente que o trabalho do filósofo consiste em se ocupar mais particularmente que os demais homens em afastar sua alma do contato com o corpo" (Platão: Fédon, 65, a). O sábio educa-se para a morte, ou seja, para o dia em que sua alma separar-se-á definitivamente do corpo, migrando para o outro mundo.

Aristóteles (384-322 a.C.) definia o homem ideal como aquele que consegue pôr em prática tanto a sua animalidade natural como a sua sociabilidade natural, pois o homem é um animal social por natureza. "Mesmo quando não precisam da ajuda dos outros, os homens continuam desejando viver em sociedade." (Aristóteles. Política: III, 6). Reprimir a animalidade ou a sociabilidade distancia o homem da felicidade. Para encontrar um termo médio entre essas duas naturezas, o homem vale-se da razão.

Os estóicos são outro exemplo de moral aristocrática. No séc. IV a.C. Acredita-se que o nome estóico tenha sido inspirado no local onde Zenão de Cício (335-263 a.C.) ensinava: os pórticos (stoa, em grego). Costuma-se atribuir a razão do surgimento dessa doutrina ao fato da cidade de Atenas haver perdido sua independência para os macedônicos, prolongada depois pelo império romano. O estoicismo foi uma espécie de refúgio espiritual, uma via filosófica para se conseguir a independência em nível individual. Não obstante, o estoicismo atravessou séculos, sendo adotado pelos cristãos e até pelo imperador romano Marco Aurélio (121-180 d.C.). Segundo os estóicos, nenhum evento acontece por acaso (teoria da necessidade). Até mesmo o trajeto de uma folha que se desprende da árvore já foi milimetricamente traçado pelo Logos, princípio inteligente do cosmos. O ideal de sabedoria estóica é a completa apatia: indiferença-acomodação diante dos acontecimentos da vida, é o que revela Sêneca (4 a.C. 65 d.C.) um dos expoentes do estoicismo:

Toda a vida é uma escravidão. É preciso, pois, acostumar-se à sua condição, queixando-se o menos possivel e não deixando escapar nenhuma das vantagens que ela possa oferecer: nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não encontre qualquer coisa para consolo. Vê-se freqüentemente um terreno diminuto prestar-se, graças ao talento do arquiteto, às mais diversas e incríveis aplicações, e um arranjo hábil torna habitável o menor canto. Para vencer os obstáculos, apela à razão: verás abrandar-se o que resistia, alargar-se o que era apertado e os fardos tornarem-se mais leves sobre os ombros que saberão suportá-los. (1973: 216)

Não se interprete indiferença por alienação: um sábio pode engajar-se na vida política até mesmo porque estava escrito. Nesse ponto, os povos muçulmanos parecem estar em franco acordo com a doutrina estóica pois regularmente repetem a expressão maktub (estava escrito), particípio passado do verbo catab (escrever). A virtude do sábio é o controle absoluto de suas emoções. Segundo sua parenética (termo que diz respeito aos aconselhamentos práticos), quando as circunstâncias tornam impossível o controle das emoções, é aconselhável a prática do suicídio.

Epicuro de Samos (341-270 a.C.) criou o modelo de sábio epicurista: o homem que pratica plenamente a virtude da ataraxia (despreocupação; ausência de aborrecimentos, de dores ou medos).

Nem a posse das riquezas nem a abundância das coisas nem a obtenção de cargos ou o poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-na a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza.

A ausência de perturbação e de dor são prazeres estáveis; por seu turno, o gozo e a alegria são prazeres de movimento, pela sua vivacidade. Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos referir-nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade, como crêem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma (Epicuro.1993: 25)

Efetivamente, a idéia de que os epicuristas pregavam a volúpia do corpo é falsa. Eles praticavam uma espécie de otimismo profilático que se aproxima muito do famoso "jogo do contente" da personagem Poliana. Eram iconoclastas em relação aos mitos sobre morte, religião e política. Isolados em jardins afastados das agitações da vida citadina, cultivavam a amizade (a prática de viver em seletos círculos de amigos era considerada condição fundamental na vida do sábio epicurista). O modus vivendi de Epicuro e seus discípulos foi chamado de aurea mediocritas (mediocridade dourada) por Horácio.

3. A moral utilitarista

A moral utilitarista caracteriza-se pela ausência do transcendente e de modelos a priori a ser imitados. Todas as ações devem ser medidas pelo bem maior para o maior número. Ao definir o utilitarismo, o filósofo irlandês Francis Hutcheson (1694-1746) assim se expressa: "a melhor ação é aquela que produz a maior felicidade ao maior número de pessoas." O utilitarismo é a moral dos números.

Nicolau Maquiavel (1469-1527), pensador italiano, tem sobre si a culpa de haver defendido que os fins justificam os meios embora, segundo o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (1962: 614), tal máxima tenha origem jesuíta. A injustiça que recai sobre Maquiavel vem da dificuldade que se tem de separar o mero descrever e o opinar. Ele tinha horror a governos de ocasiões, golpes sucessivos, casuísmos, enfim à política do dia a dia que tanto permeava a agitada vida nos bastidores políticos de Florença. Em O Príncipe ele faz uma descrição em forma de aconselhamento, com base em seus conhecimentos de história, da conduta do governante que pretende permanecer no poder por um tempo relativamente longo, mas chega mesmo a confessar que, para atingir tal permanência, o ideal seria que as coisas não ocorressem da forma como a história demonstrara. Não obstante, a tradição nos legou o termo maquiavélico como designativo de um modelo que se firmou como um dos marcantes exemplos de moral utilitarista: a que visa um maior número de dias no poder.

Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, parte do princípio de que quanto menor for o número de invasões, mortes violentas e desapossamentos mútuos, mais feliz será a espécie humana. Esta condição só pode ser arranjada com a existência de um contrato social e de um Leviatã. Vamos explicar melhor: Para Hobbes, o homem é, naturalmente, o lobo do homem (homo homini lupus), ou seja, não é um ser naturalmente cordial e sociável, não está naturalmente aparelhado para sentir-se incomodado com a dor alheia quando sua sobrevivência está em jogo. "Se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos." (Hobbes, 1651: 43). Relegados ao estado de natureza, os homens promovem uma guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), guerra inútil porque põe em risco a própria conservação humana. Os homens portanto perceberam e admitiram entre si a vantagem em cada um reprimir sua animalidade natural em prol de uma mútua convivência pacífica, bem mais útil, produtiva, confortável e segura. A civilização nasce desse contrato social. Essa nova situação, entretanto, só pode ser mantida com a existência de um Leviatã (monstro amedrontador e forte) que se expressa preferencialmente na figura de um rei, comandante autoritário e único que gera em todos o sentimento generalizado de medo da punição, garantindo assim a continuidade do Estado civil.

A base da moral utilitária de Hobbes sofreu inúmeras críticas, a principal partiu de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, que via na animalidade humana não lobos e sim cordeiros. Tais quais cordeiros livres, os homens, no estado de natureza, vivem em plena felicidade. Foi a civilização que fez com que muitos cordeiros se tornassem violentos e pensassem ser lobos. A soberania do Leviatã não é desejável porque além de retirar do homem a sua liberdade natural impossibilita a construção de uma liberdade civil, que só é possível quando a vontade geral é soberana. A conquista da liberdade civil estaria na reeducação por meio de leis "corderiais" que, metaforicamente, fizessem com que os cordeiros reconhecessem que são cordeiros.

Ainda a respeito da dicotomia lobo/cordeiro há outras observações curiosas. Para Frederich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, a natureza produz homens-lobos e homens-cordeiros e não podemos ignorar que lobos estão aparelhados para devorar cordeiros. Quando só restarem lobos, as forças naturais produzirão superlobos que devorarão antigos lobos numa progressão infinita de vidas cada vez mais fortes. A moral nietzschiana é a da exuberância da força e do vitalismo das potências naturais ou superhumanas. É uma moral que pretende ir além do bem e do mal (se é que isso é possível). Nietzsche afirma que dicotomia entre bem e mal não passa de invencionice resultante do ressentimento e da fraqueza dos cordeiros. "Toda moral é [...] uma espécie de tirania contra a 'natureza' e também contra a 'razão'" (Nietzsche, 1886: 110)

Michel Foucault (1926-1984) diria que lobos e cordeiros habitam cada um de nós e ambos teriam desenvolvido estratégias de sobrevivência que tornariam extremamente complexa a luta entre os dois, uma complexidade tal que o cordeiro, em determinados momentos, poderia estar sob a condição de ataque. Nesse caso a questão moral só poderia ser definida dentro de um contexto muito específico onde se levariam em conta os sujeitos envolvidos, suas estratégias, suas relações de poder... Foucault é o criador da microética.

4. A moral kantiana

A moral kantiana é a concebida por Immanuel Kant (1724-1804), filósofo prussiano. Sua intuição principal foi que o indivíduo deve estar livre para agir "não em virtude de qualquer outro motivo prático ou de qualquer vantagem futura, mas em virtude da idéia de dignidade de um ser racional que não obedece a outra lei senão àquela que ele mesmo simultaneamente se dá" (Kant, 1785: 16). A ação moral exige a autonomia do agente. Ser autônomo é obedecer a si mesmo ou ao que vem de dentro. É o inverso do heterônomo (o que obedece ordem do outro, obedece ao que vem de fora). Não se pode falar em ética sem autonomia pois a ação heterônoma (cuja vontade vem de fora) não é uma ação ética. A moral aristocrática e a utilitarista não são eticamente válidas porque dependem de algo exterior: a primeira, de ideais transcendentes e a segunda, de ideais imanentes.

Para realizar a autonomia, a ação moral deve obedecer apenas ao imperativo categórico: o bom senso interior que todos nós temos de perceber que não somos instrumentos e sim agentes. Nunca instrumentalizar o homem é a exigência maior do imperativo categórico. Kant fornece uma regra para saber se uma decisão nossa obedece ou não ao imperativo categórico: indague a si mesmo se a razão que te faz agir de determinada maneira pode ser convertida em lei universal, válida para todos os homens. Se não puder, esta tua ação não é digna de um ser racional, não é eticamente boa porque falta-te a autonomia, estás agindo premido por circunstâncias exteriores a ti. O bem ético é um bem em si mesmo.

Ao realçar a exigência da autonomia da ação moral, Kant desperta a questão da liberdade ética. O conceito de liberdade ética parte da distinção entre ação reflexa e ação deliberada. A ação deliberada é aquela que resulta de uma decisão, de uma escolha, é o mesmo que ação autônoma. A ação reflexa é "instintiva", independe da vontade do agente. Apenas as ações deliberadas podem ser analisadas sob o ponto de vista ético. Voltemos ao exemplo do gato que morde o homem que lhe pisou a cauda. O gato tentou afastar o que lhe era um mal, mas não podemos dizer que ele escolheu morder o homem. Logo, não se pode dizer que o gato agiu de forma imoral ou antiética. A questão da liberdade ética pode ser assim resumida: Levando-se em conta que somos animais e ocasionalmente agimos de forma reflexa, em que condições nossa ação pode ser considerada uma ação deliberada?

Henri Bergson (1859-1941) e Jean-Paul Sartre (1905-1980) respondem a essa pergunta de forma radical: O livre-arbítrio é a qualidade que melhor define o homem. A própria condição humana exige que todo ato humano seja um ato de escolha, seja uma ação deliberada. O homem está condenado à liberdade porque nunca pode decidir não escolher. Diante da consciência de que nos vemos forçado a realizar algo por imposição exterior, passamos a ter liberdade de escolher entre entregar-se à ação ou ir de encontro a ela.

Fonte:http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/israel_textos/etica_e_moral.htm

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